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O primeiro lugar no ranking do amor
A gente cresce assistindo filmes, ouvindo músicas, lendo livros e sabendo de tantas histórias sobre o amor e quando menos espera está em busca dele, o amor, o romântico, claro. Aquele para a vida toda, especial, capaz de preencher todos os nossos vazios, inseguranças, nos completar, e nos tornar felizes...para sempre.
A promessa de felicidade permanente depende do encontro de duas pessoas contra o mundo, em que um será o centro da vida do outro e vice-versa. Os outros vínculos afetivos como as amizades, por exemplo, ficam para depois, bem depois, das necessidades do casal, que são sempre prioritárias.
Em muitos momentos, senti falta de amigos que se isolaram com a nova namorada, que em geral não lidava bem com o fato de namorado ter amigas.
O contrário também acontecia, vi amigas mentirem para os namorados sobre onde tinham ido e com quem, afinal, quem namora não anda com solteiros, porque eles estão sempre à caça.
O isolamento é preço que muita gente se dispõe a pagar em troca de ser sentir especial, de ser escolhida/o/e dentre tantas outras pessoas, sensação típica que os relacionamentos românticos oferecem.
Se por um lado nosso coração pode ser seduzido pela ideia de ser “a pessoa” especial para alguém, por outro, como fica a vida quando tudo depende exclusivamente de uma única pessoa que inevitavelmente tem suas limitações?
O amor romântico assume o primeiro lugar, no ranking do amor, sem o qual não é possível ser feliz. Quem nunca se viu (ou viu alguém) bem, com vida social compartilhada com familiares e/ou amigos, mas se queixando de estar “sozinho/a/e”, ou de sentir falta de “um amor”, quando o amor já está disponível em outros vínculos afetivos.
Parece que a felicidade e completude dependem sempre de a gente passar pelo funil de ser a escolhida para ser o amor de alguém.
A ideia de o amor romântico ser entendido como a mais importante forma de amor é tão introjetada em todos nós que ousar torná-lo mais horizontalizado e tirar do centro das nossas vidas as pessoas por quem nos apaixonamos pode ser confuso para quem está empenhado na tarefa e soar absurdo para quem conduz a vida baseada nessa lógica.
Apesar de ter sido forjada na crença sobre a qual escrevo, nunca naturalizei o afastamento dos amigos, fazia questão de estar com eles sempre que houvesse disponibilidade minha e deles e quando a frequência de contato diminuía demais sempre senti saudade. E por isso também fui interpretada como “moderna” ou “estranha” por tentar preservar a minha individualidade (mesmo falhando miseravelmente comigo mesma).
Sim, é difícil quebrar a lógica da centralidade que o amor romântico ocupa, até para quem sempre valorizou outras formas de amor, afinal, a norma é essa. Mas é difícil também trocar a possibilidade de viver de forma mais coletiva, construindo redes de apoio num mundo cada vez mais hostil e individualista, com condições de vida se deteriorando a cada dia em troca de uma vida dividida com apenas um par.
Por mais belo e salvador que o amor romântico possa parecer na ficção, a realidade é que duas pessoas não têm condições de lutar contra o mundo, e fomos sim enganados com a ideia de que felicidade depende da permanência de um amor na nossa vida.
A prática revela que precisamos de muitos outros amores para tornar a vida mais fácil de ser vivida e não estou falando de várias parcerias românticas, mas daquelas pessoas que estão prontas para rir e chorar juntos, acolher ou chamar atenção, incentivar ou prevenir, essas pessoas podem ser chamadas de amores e não, elas não menos importantes que uma parceiro romântico.
Sobre a autora:
Cátia Santana
Apreciadora de domingos, tagarela e boa ouvinte, viciada em pessoas, entusiasta de conexões e da tecelagem de redes de apoio.
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